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quarta-feira, 1 de abril de 2009

QUEM COME A CARNE, TEM QUE LAMBER O OSSO.




Demétrio acordou mais cedo. Sua mulher, Mariana ainda dormia. Estava ali um corpo estendido na cama. Bunda para cima, repleta de celulite. Deu-lhe uma tristeza danada. E lembrou dos bons tempos da juventude. Baile no caiçara clube, orquestra Los Guaranys. Mariana era a mais bonita, todos a desejam . Cabelos longos, cintura de pilão, pernas grossas, bunda avantajada. Falava suavemente. No banheiro do Colégio Carvalho Neto, onde Mariana estudava, lá nas paredes ficaram as lembranças dos meninos. Nesta hora, Demétrio não sentia saudade. Repressão sexual, para transar tinha que casar, senão o dr. juiz mandava para cadeia o filho do gozo.
Casou com Mariana, dois anos de namoro, nada de adentrar com o órgão do prazer. Tentar até que tentou muitas vezes, mas Mariana era muralha da China, resistente. Dizer que era santificada é conversa fiada. Permitia que tocasse nos seios, amamentasse, carícias até que podia, mas na hora H só com o casamento. Filha da mãe, nem no primeiro dia do casamento, a sujeita quis dar. No quinto dia, o cabra ficou orgulhoso, o lençol branco manchado de sangue. O homem sorriu. Para Mariana foi mais dor do que prazer. Com o tempo, ela percebeu que fez amor já tarde aos 17 anos. Ele foi seu primeiro namorado e único. Demétrio tinha aos 18 anos boa experiência sexual. Aprendeu a transar mesmo no cabaré do Bico da Asa com a professora, rapariga Bisqui. Aquela pequena fazia o homem gemer, gritar e gozar. Que saudade de Bisqui! O título de professora foi concedido pelos os meninos. Coisa de menino.
Demétrio e Mariana tiveram três filhos. Ele funcionário público, ela do lar. Sonhar até que sonhou sair de Simão Dias, mas o destino lhe deu um pai sapateiro e uma mãe doméstica. Ficou ali no dia a dia do interior, aos domingos missa na Igreja Nossa Senhora Santana, bate-papo com os amigos nos bancos da praça. Futebol era seu forte, torcedor do Flamengo, tinha o time como religião. Da política, tinha uma paixão, antes da extinção do partido político, pelo Jacaré do ex-governador Celso de Carvalho. Depois que Seu Caçulo do Jacaré se aliou ao Tonho Valadares do Crocodilo, não votou em mais ninguém. Em tempo de eleição, pode ter certeza, voto nulo.
Todavia, o que lhe oferece desgosto mesmo é ver Mariana acabada, cheia de celulite, estria. E o corpo, meu Deus, foi embora, deixando outro. Mariana está gorda, possui diabete. Aos 45 anos, parece que tem 60 anos.
Ainda pensou em separar de Mariana. A mulher reclama de tudo. Depois pensou, deixar Mariana vem uma nova Mariana. O dinheiro recebido como funcionário público mal dá para pagar as contas. O mercadinho ele faz as compras , fiado, lá em Gordinho de João Mendes, recebeu o dinheiro do Estado, Demétrio corre para pagar.
Outro dia, reclamou de sua vida ao amigo Fernando, dele obteve a resposta:


- QUEM COME A CARNE, TEM QUE LAMBER O OSSO.


E Demétrio segue andando pela vidinha do interior.

Conto de Oswald Abreu