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quarta-feira, 1 de abril de 2009

O RIO DO CHORO

Januário coçou um dos dois debaixo. Coitados, já estavam murchos. O vigor do tempo de outrora, ela vivia através da saudade. Estava velho. Sozinho. Morreu dona Rita, sua mulher, o filho Manoel se mandou para as bandas do Paraná, nos primeiros dias chegavam cartas. Depois elas envelheceram. Na verdade, não sabia se Mané estava vivo ou morto. Ainda possuía um pouco de esperança. O velho Januário já tinha passado dos 80 anos. O dinheiro de sua aposentadoria, a metade ficava na farmácia, a outra parte pagava a água, a luz e comprava mantimentos para a sua sobrevivência.
O idoso já esperava a morte. Antecipadamente comprou o seu caixão. Já o tinha guardado por mais de 10 anos. Muitos, que o achavam doído, morreram. E Januário dizia na Barbearia de Seu Avelino:
_ Se tivesse comprado o seu caixão, não teria morrido.
O velho barbeiro ria demasiadamente.
Um certo de céu arrebol, Seu Januário foi ver o rio Caiçá de sua infância, que ele muito pescou e se banhou nas águas do rio que vinha lá do Chora-menino. E chorou. O rio estava poluído, cheio de bagaço, de lixo, de animais mortos.
O rio corria lentamente. Suas águas estavam escuras. E lembrou quando o Caiçá tinha as águas cristalinas. Matou a fome de muita gente na seca de 33.
O coração do velho começou acelerar. A vista foi escurecendo . Caiu. Quis gritar por socorro, entretanto, perdeu a voz. Um túnel veio em sua mente. E começou a ver a filmagem de sua vida: a infância, a juventude, sua viagem a São Paulo, o casamento, o trabalho, o nascimento do filho. Os curiosos foram chegando. O velho ouvia e não podia dizer nada:
- Está morto.
- É preciso levar para o hospital.
- Vamos chamar um médico.
O tempo foi passando nem hospital, nem médico. Era o último dia de Seu Januário. Lá dentro de sua alma, o velho percebia que não mais ouviria o canto de seu pássaro preto, o nascer do sol, chegou o dia fatal.
Um lágrima brotou dos olhos do velho, lembrou da poluição do Rio Caiçá, quando a moda é revitalização do Rio São Francisco.
Dona Zefinha do Maracujá disse:
- Gente, o homem está vivo, ói uma lágrima.
O carro do SAMU chegou duas horas depois. Mas o velho já tinha batido a caçoleta. Dona Caçula do povoado Feirinha da Rola, falou para amiga Matildes:
- Já era um cacaréu, há muito já devia ir para a cidade dos pés juntos.
Dona Matildes,
- Caçula, você ficou maluca, o velho era gente boa.
- Gente boa é agora, todo defunto é bom...
Pouca pessoas foram ao enterro. E ficaram os saudosistas lembrando do grande inteiro de Pedro Valadares em 1965. O Zé Preá:
- Ninguém até hoje ganhou do enterro de Seu Pedrinho Valadares. O de Pedro Mendes teve muita gente, mas o de Seu Pedrinho.
- Já reparou , Fausto, que funeral de tragédia e quando o cabra morre cedo dá muita gente.
- É verdade!
E o Rio continuou chorando a sua angústia, sua tristeza pelo descaso das autoridades.
E O VELHO FEZ A SUA ÚLTIMA VIAGEM