Visitante nº

sábado, 4 de abril de 2009

A BOCA VIRGEM E O SEMINARISTA

A vida corria sem pressa na cidade do interior. Aos domingos, missa na matriz. Passeio na praça. O som alto de um carro de um jovem . A velha Matildes a gritar:

- Falta de polícia, a gente não pode nem bater papo com a vizinha.

Dona Raimunda replicava:

- É a juventude de hoje, respeito é coisa ultrapassada.

A outra:

- É o fim do mundo.

Mas vamos ao que interessa sem muita enrolação. A nossa ilustre é Mariana. Filha do cabo Jesus da polícia militar de Sergipe. De Jesus só o nome, porque o homem de farda era sem- vergonha, safado, descarado, mulherengo, raparigueiro. 0 dicionário Aurélio Buarque de Holanda se segure. A lista é grande de sinônimos. O cabo via na filha de 15 anos o pagamento de suas dívidas. Quantas mulheres o cabo enganou. Promessa de casamento nem se fala. Iludia as coitadas e depois adeus. O cabo, quando jovem, tinha prazer em possuir uma virgem. Naquele instante, que via o sangue molhar o lençol, estava realizado, era o homem mais feliz do mundo. Quase todas as cidades que ele andou , o mesmo espalhou sementes. Filhos eram quinze. Propriá, Lagarto, Cedro de João, Pinhão, Poço Verde, Rosário do Catete e Simão Dias tais cidades constituíam a prole do cabo Jesus. Jesus falava mansamente. As mulheres ficavam apaixonadas com a educação do militar. Fino, educado, gentil. Com o preso, o cabo Jesus era uma fera. Criminoso era para apagar. Só não batia mesmo era em homicida. Pensava:

"Todo homem é assassino, depende da ocasião."

Ladrão caia na pancada, até larápio de furto de galinha. E o cabo dizia:

"Se quer ser ladrão, vá ser de coisa grande. De todo jeito é ladrão."

E a filha do cabo, Mariana era a mais bonita da sala. Cintura fina, cabelos longos, olhos da mata virgem, a parte do fundo era avantajada. Herdou do pai o falar pausadamente. De dona Lepoldina, sua mãe, vieram os traços da beleza.

Os moleques da escola, que nada, os meninos do colégio, moleque é coisa do passado, era o nome que o senhor de engenho colocava no menino filho da escrava. Eram perdidos os senhores de engenho, para passear as suas branquelas, mas para o prazer as negras de sangue quente. Voltemos a Mariana, todos eles a desejavam , ia esquecendo sempre há exceção, o Salvinho nem para chegar perto, tinha lá suas delicadezas de flor.

Mariana ficava com o semblante repleto de sangue, quando as coleguinhas a apelidavam:



"Boca-virgem, vai ficar pra titia.''



Intimamente ela dizia: "Abestelhadas, dá pra qualquer um é fácil. Saber dar são outros quinhentos."



O sonho de toda menina era seduzir o seminarista Godolfredo. O menino queria ser padre. Diziam elas:

"Que pena! É um esperdiçio."

Godolfredo tinha 18 anos. Alto, moreno, cabelos lisos, corpo atlético. Dizer que foi para o seminário donzelo é mentira. Era macho de umas seis relações amorosas. Viu no seminário o meio de estudar, a bem da verdade, vocação mesmo não é bom falar...

O jovem seminarista ao ver Mariana teve um desejo maior do que os outros. Ali era uma coisa diferente. Na praça do Barão, conheceu Mariana. Depois de 10 dias. Ambos estavam nus na casa da tia de Mariana, dona Eleá, beata de carteirinha. E que confiou deixar a jovem sobrinha com o seminarista batendo papo. Ele não só bateu papo, como papou. Corpo e cheio igual ele nunca tinha visto. Só o de Mariana. Que menina, podem babar. Cuidado! Com polícia não se deve brincar. Foi um deus-nos-acuda, para limpar o lençol, ainda ficou a marca do crime. Falou Mariana a Tia:
- Tia menstruei e deitei um pouco em sua cama e quando a regra vem, a cólica é forte.
- Não tem problema não, minha pequena.

Entretanto, lá na escola, as meninas não perdiam tempo:

"Boca-virgem, vai ficar pra titia."

Mariana não enrubesceu, deu um leve sorriso. A Judite um pouco sagaz:
- Desta cara tem safadeza
Mariana não respondeu nem sim , nem não. A dúvida ficou no ar.

Dentro de casa, o cabo Jesus não sabia que pagou o seu pecado. Mariana, sempre discreta, uma boca-de-siri.

Com o passar do tempo, o seminarista tornou-se padre. Mariana é tenente na polícia militar da Bahia.

E o velho cabo Jesus , para não perder o sinônimo, frequenta a Feira da Fumaça na cidade de Lagarto no Sergipe e lá fica feliz, vendo as meninas do cabaré.



Um conto de Oswald Abreu