Sou orgulhosamente filho de bodegueiro. A primeira bodega de meu pai foi estabelecida na rua do Mulungu - Rua Antônio Manoel de Carvalho - rua das Raparigas e também das famílias constituídas. O cabaré era chamado Bico da Asa. O meu pai tinha a sua bodega no lado familiar. Porém, este flanco também ficou tumultuado e um cabaré foi estabelecido, o Dama da Noite. Ninguém sabe até hoje, um incêndio destruiu a bodega de meu pai. O homem chorou, mas não se entregou. Batalhou, foi aguadeiro do tanque novo, economizou. Com o passar dos anos, comprou um imóvel na rua Joviniano Carvalho, vizinho ao Jornal a Semana de Seu Zeca Déda, avô do governador de Sergipe, Marcelo Déda. O velho Pedro Mendes sorriu com sua nova BODEGA. Um fênix brotado das cinzas. A turma da UDN (União Democrática Nacional) gostava de frequentar a bodega de meu pai. O prefeito de Simão Dias de 1959 a 63, depois se tornou Deputado Estadual, Pedro Valadares, não arredava o pé da Bodega. Lá no parte reservada, ele estendia as pernas numa cadeira. Eu era pequeno e me lembro deste homem, careca, calmo, falava mansamente. Um dia, ele me salvou. Menino faz coisas que o cão teme, eu andei quebrando algumas vidraças. Se não fosse a intervenção de Seu Pedrinho como era chamado, a surra viria naturalmente.
Eu me lembro como se fosse hoje, o Seu Pedrinho:
- Pedro, vou lhe pedir um favor, não bata no menino.
Meu pai:
- Ele vai apanhar, Pedro Valadares.
- Vou lhe pedir um grande favor. Não bata é tão pequeno, lhe dê um castigo.
Meu pai ficou meio hesitante. E prometeu que não me batia e que ia me deixar em pé no canto por duas horas.
Confesso, que depois da saída do homem, dona Vandeléia, era o nome da taca - relho , ia dançar nas minhas costas.
Meu pai, para minha felicidade, cumpriu o solicitado. E no castigo eu mijei.
O homem que me salvou morreu. E eu menino de calça curta fui ao funeral. Pensei que ia morrer sufocado. Imagine um anão no meio dos gigantes. Nunca vi enterro que vencesse o de Seu Pedrinho. O do ex-prefeito Caçulo abeirou. E ,no empurra em empura, cheguei ao cemitério São João Batista. Passei muitas noites sem dormir com medo das almas do outro mundo.
O tempo não pára. Os momentos são inesquecíveis. A gente sofre com as lembranças. Às vezes elas trazem felicidade.
A Bodega de meu pai, que sustentou nove filhos, já não existe. As páginas do Jornal A Semana ficaram amareladas. Foi embora Seu Zeca Déda. Meu pai de forma violenta também partiu.
O homem que me salvou tornou-se imortal para o povo capa-bode.
Na praça Barão de Santa Rosa a Estátua de Pedro Valadares:
- Pedro, não bata no menino.
Oswald Abreu