Visitante nº

sábado, 23 de maio de 2009

DO ROMANCE BODE BITO


O TEMPO




Foram cinco dias de chuva. E as beatas riam à toa, considerando que foi um milagre a queda d'água, uma bênção de São José. Não se sabe de onde vieram tantos sapos. Os bichos feios, mas possuem um belo canto. A feiúra útil vale ouro. O animal estranho come os insetos, destruidores da lavoura. A beleza inútil representa o vácuo. O exército de formigas destruiu o laranjal de Zé Preá. Uma rã coaxava dentro do banheiro da beata Bilu. A vida na terra seca tornava-se bela com as cuspidas d'água.
O Nordeste chuvento é de gozo e prazer: o rio correndo, o homem do campo plantando. É a terra do sol do sonho do poeta, com a chuva adeus exploração. Cresce o milho, sobe o feijão, brota uma flor, voa uma abelha, canta o passarinho. A chuva é alegria e poesia.
A passarada agradecia ao céu no amanhecer, os pássaros cantavam alegremente.

O bode Bito, em seus primeiros dias de vida, ficou abrigado no curral com os bois, bezerros e vacas.
Um menino barriga-de-vermes estava alegre com seu barquinho de papel, descendo o riacho da Solidão. As alvas garças vindas da banda do Sul, chegaram cansadas e pousaram na beirada do riacho. O fazendeiro Sebastião mostrava os dentes amarelados de felicidade. As garças se alimentavam de carrapatos, malditos parasitas do gado.

O sino da Igreja chamava os fiéis. As meninas iam ao templo, não para o consolo espiritual, mas embriagadas pela beleza do padre Malaquias, recém-chegado de Roma.

E a jovem Mariana, de 16 anos, corajosa, foi se confessar:

- Padre Malaquias, estou apaixonada!

- Minha filha, é coisa da idade.

- Não, padre, é da Igreja mesmo.

- Da Igreja!?

- Sim, padre.

- Que conversa é essa, minha filha?

- Padre, estou apaixonada!

- Quem é o fiel da Igreja?

- É o senhor, padre.

- Minha filha, tire esta ilusão da cabeça.

- Não é ilusão não, padre, é paixão braba.

- Minha filha, eu fiz votos de celibato, mesmo se padre pudesse namorar, você não seria a indicada, afinal é de menor e virgem.

- Padre, menor vá lá que sou, mas virgem, 'cê besta!

- Minha filha, pelo amor de Deus, reze 30 Ave-Marias e 30 Pai-Nossos.

- Padre, tudo bem! E para o meu fogo ardente?

- Minha filha, tome um banho de ducha fria.

- Padre, a cura pela minha paixão pelo senhor como fica?

- Minha filha, o tempo é a cura de tudo...

Maria foi rezar, mas com o olhar voltado para o confessionário.


Texto extraído do Livro Bode Bito, Cabra Macho.