Visitante nº

sábado, 28 de novembro de 2009

A VIDA NO DIA A DIA

JOSÉ SARAMAGO - escritor português, já recebeu o Nobel de Literatura, um dos maiores escritores do mundo. É um autor polêmico. Vale a pena conhecê-lo.



O texto a seguir é de Oswald Abreu:
Todo dia a mesma fúria. Ramisés já estava chegando aos limites com a sua mulher Eloísa. Conversadeira, fofoqueira. uma matraca de Igreja. Reclamava de tudo.

Ramisés era operário numa fábrica de tecidos. Ganhava pouco mais de dois salários mínimos. Quando recebia o dinheiro no dia 30 de cada mês, corria para venda de Seu Manuca, ia pagar a conta do mês. Coitado! Pagava uma parte e já ficava devendo. Se não fizesse assim, não pagava a água, a luz e o material escolar de Sofia e Daniel, seus dois filhos.

Dizia ele: "Que sua vida era de jumento. Só trabalho."

Tinha um arrependimento danado de ter deixado a Paraíba, para vim morar no morro dos Macacos no Rio de Janeiro. Lá no Nordeste, ele tinha uma vida boa, lustrava sapatos na porta do mercado do cidade de Patos. Aos domingos, jogava sua peladinha e tomada sua geladinha. Morava com seu Severino e dona Cordélia, seus pais. Ambos aposentados .

Um dia, deu na veneta, desejo de morar no Rio de Janeiro. Veio com seu primo Bastião. O primo morreu em frente ao cemitério do Caju. Enterrou-se por lá mesmo. Bastião se envolveu com drogas e recebeu um tiro certeiro na testa. Não pagou ao traficante e tombou caído na calçada do cemitério.

Ramisés nunca fumou um cigarro de palha, viciado mesmo era na branquinha, uma cachaça, uma cerveja.

Pensava em voltar para o Nordeste. Faltava o melhor - dinheiro. Sonhava todos os dias, viajando para a terra natal.

Matutava: "Meu Deus, não hei de morrer aqui." Via o risco que os seus dois pequenos corriam. Sempre havia tiroteiro: polícia x traficante.


Tinha uma vontade danada de deixar Eloísa, mas as condições não lhe eram favoráveis, sem dinheiro, vivendo no barraco da mãe de sua mulher. Dinheiro para pagar um quarto e pensão alimentícia para os seus filhos , só o tinha no sonho, a realidade era crua, massacrante.

Qualquer dia, poderia fazer uma besteira com a sua mulher, já não suportava ouvir a sua voz.

O placar estava zero a zero em se tratando de sexo, há mais de 3 anos não fazia o vai-e-vem.

Depois da fábrica, só retornava tarde da noite. Ficava a bebericar no armazém de Seu Manuca.

Chegava no barraco, ainda bem, sua mulher estava dormindo. Para ferir mais o indivíduo, a sua mulher, quando dormindo, falava.

"Meu Deus, ainda essa, tenho que suportar esta matraca até dormindo."

Pensou em jogar água quente nos ouvidos de Eloísa. " É loucura, seus filhos não vão lhe perdoar, é uma besteira! Vai para cadeia, morrerá sozinho: sem família, sem ninguém. "

Veio-lhe outra besteira: ia se matar. A sujeita não serve nem para botar corno em defunto, é feia , os seios estão caídos. Assim refletiu.

Deixaria o barraco na madrugada. Desaparecia, nunca mais daria notícia. Ia para a lista dos desaparecidos.

Fez opção, por desaparecer.


Pegou os seus molambos, pobre possui pouca roupa. E decidiu desaparecer.


O que Ramisés não esperava era que ele ia desaparecer para sempre. Tiroteio entre a polícia e os traficantes. Um bala veio perdida, de quem foi o tiro não me pergunte. E a bala veio se alojar na testa do operário.

Diante do morto, Eloísa:

" Quem foi o filho da puta que matou o meu marido. Tão trabalhador. Saía na madrugada para trabalhar..."