Visitante nº

sábado, 22 de dezembro de 2012

CABRA BITA

Bem que eu poderia ter nascido gente, mas o Senhor lá do céu me trouxe a terra na condição de animal. Ainda bem que eu não sou igual a outros animais, crescem e quando chegam na fase adulta, vão para o abate.  Tenho hoje o privilégio de dizer que o meu dono é uma comunidade, que bom! Não serei vendida para o matadouro, pertenço aos moradores da Feirinha da Rola. Povoado São Domingos, que nada, quem faz a linguagem é o povo, mas o poder público sempre impõe. Para o povo, o povoado é Feirinha da Rola e não São Domingo. 

Nasci cabra, não devendo confundir com cabra safado, bandido, sem vergonha. A minha gente em mim colocou o nome de Cabra Bita. 

Moro na Feirinha da Rola. Os homens gostam de futebol:  Flamengo, Corinthians, Botafogo, Vasco, São Paulo, Fluminense. O que eu gosto mesmo é de acompanhar enterros. A morte não é bonita, mas ela une  família com brigas. O cortejo é acompanhado por amigos e inimigos. Nunca vi dois irmãos brigando no funeral, sempre vejo lágrimas e choro. As mulheres são mais chorosas.  Choram por amor, choram quando traídas e choram na partida de um ente querido. O choro de um homem, ele navega na cerveja e na cachaça. Vi já choro de homem, não pela mulher amada, todavia, porque seu Flamengo perdeu para o Vasco. Homem merece surra e chibata, veja alguns dizem" Prefere o futebol à mulher." Cabra sem consideração, queria muito se Lampião fosse vivo. O sujeito não dizia tal asneira, besteira.
Mataram Lampião ainda dormindo lá na Grota do Angico em 1938, a história mente, disse que houve confronto. 

A vida do pobre melhorou em todos os pontos de vista, vejamos: bolsa educação, bolsa família, vem agora , a bolsa cultura,  cinquenta reais para assistir cinema e teatro. Simão Dias tinha dois cinemas, o Brasil e Ypiranga. Coisa do passado,  eles já não existem.

A vida na Feirinha da Rola mudou para melhor.  Dona Santinha e dona Lourdes Mendes vinham da cidade de Simão Dias para ensinar. Hoje, o povoado tem colégio. Dona Lourdes viajou para a cidade dos pés juntos e dona Santinha mora lá nas bandas de Maceió. 

O ser humano vive mais nos tempos de agora, tem gente que chega a mais de cem anos, o arquiteto de Brasilia morreu com 105 anos. Quase que eu ia esquecendo o nome dele Niemeyer. E dona Eliza Montalvão acima de 90 dias. Ser humano para gostar de enterro igual a ela não tinha. Não cortejo funeral.

É pena que a vida de uma cabra não chega aos 20 anos. Já estou velha, mas não deixo de acompanhar os funerais. É o último ato de solidariedade a gente que vai embora para o reino do nunca mais.

A vaidade, o poder, o dinheiro nada vale. A morte é mais forte. Tenho que deixá-los,  o Zé Zuada morreu. pense um cabra que gostava de confusão. Vou a seu funeral.